domingo, 21 de outubro de 2012

Entre a utopia e o pessimismo



Uma leitura de “O grande segredo de Jesus” de Juan Arias


Vivemos dias em que os paradigmas estão sendo colocados à prova. No seio da Ciência, há clamores convocando a uma revisão da preponderância do materialismo em detrimento da espiritualidade, como as teorias propostas por Amit Goswami. De outro lado, ateístas como Richard Dawkins fazem campanhas quase religiosas para provarem suas convicções da inexistência de um Deus criado e recriado ao longo das eras pela humanidade. Em meio a essa crise, assistimos estarrecidos à desconstrução do velho mundo: temas que pareciam sepultados emergem com nova força (nacionalismo e conflitos étnicos), a estruturação da família passa por uma transformação cujas consequências só poderão ser avaliadas daqui a muito tempo, a violência segue numa escala crescente sob o foco das mídias que aproveitam para explorar cada vez mais os nossos horrores pessoais (afinal, quem em sã consciência gosta de admitir que é mau?).

Diante de um quadro tão tenebroso, como permanecer fiel a uma utopia e não se deixar levar pelo pessimismo em relação à raça humana? O questionamento se refaz em mim a partir da leitura do recém-lançado “O grande segredo de Jesus: uma leitura revolucionária dos Evangelhos”, de Juan Arias (Rio de Janeiro, Objetiva, 2012, trad. Cristina Cavalcanti). O autor traz na bagagem 14 anos de experiência como correspondente do jornal El País no Vaticano, acompanhando os papas Paulo VI e João Paulo II, além de ter estudado teologia na Universidade de Roma. O tema do cristianismo é recorrente em seu trabalho, tendo já lançado no Brasil os títulos “A Bíblia e seus segredos”, “Jesus, esse grande desconhecido” e “Madalena”, entre outros. Mas é sua experiência como jornalista que parece sobressair nessa verdadeira investigação sobre a real função de Jesus para a humanidade.

Baseado tanto na leitura dos Evangelhos canônicos quanto nos Gnósticos, Juan Arias nos leva a um redimensionamento do arquétipo representado por Jesus. Sem se deixar levar pelo misticismo peculiar ao tema, o autor envereda numa rede de questionamentos e análises sobre a vida do profeta, traduzindo sua mensagem em termos humanistas. A mensagem de Jesus, nesse contexto, então, é dirigida a uma humanidade que ainda não existe. Segundo Arias, a humanidade “é muito mais egoísta do que muitos mamíferos considerados inferiores e só mudará quando, paradoxalmente, deixar de ser humana” (p. 15). A contradição proposta pelo autor é aparente. E ele vai além: “Não é uma questão de melhorar a humanidade atual, especialmente nos aspectos éticos e morais, mas de uma transformação em uma nova espécie inteligente que não seja fundada nos pressupostos da violência pessoal e coletiva” (p. 16). Ainda que Juan Arias demonstre em alguns momentos seu pessimismo em relação à humanidade atual (e paradoxalmente alimentando a esperança de uma transformação da espécie humana a partir de uma mudança genética ou de um salto quântico), através de seu livro sentimo-nos motivados pela compreensão de uma mensagem cristã que permeia suas páginas no sentido mais amplo. Jesus não escreveu para o seu tempo. Terá escrito para o nosso? Para o autor, certamente que não. Será uma semente para uma raça futura. Mas nós, aqui e agora, também somos responsáveis.

Entre estas sementes estão questões fundamentais como a construção de um mundo sem violência, livre do egoísmo, pautado na solidariedade e no conhecimento.  “A misericórdia termina por se converter numa ação a favor do outro. Vai além da justiça, pois inclina a balança a favor da debilidade e do desamparo alheios com os quais nos identificamos, pois todos somos fracos e precisamos da solidariedade e do amor dos outros” (p. 51). 

“O grande segredo de Jesus” é uma leitura atual e fascinante, além de ser uma abordagem necessária que merece atenção tanto de religiosos quanto de irreligiosos, de materialistas e de espiritualistas, pois, antes de mais nada, antes dos rótulos, das máscaras e personas, somos humanos, demasiadamente humanos, para ficarmos alheios ao conhecimento. Como bem afirma Arias, “a ignorância é escuridão que cega”.  
Acredito, pois, que estejamos vivendo este intervalo entre a utopia e o pessimismo, alimentando possibilidades de uma nova espécie, livre da violência e unificada sob a luz de novos conhecimentos, que consigam harmonizar os importantes ganhos advindos do desenvolvimento científico com a significativa importância que deve ser dada à Espiritualidade. O salto quântico é bem vindo.

Camilo Mota é jornalista, editor do Jornal Poiésis, psicoterapeuta holístico, membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise Integrativa (SBPI).